segunda-feira, 4 de junho de 2012

miguel esteves cardoso & maria joão

"Desta vez, a Maria João teve sorte".

Depois de submetida a uma cirurgia que correu bem, Maria João regressou a casa e agora, finalmente chegam as boas notícias.










Crónica do Miguel no Público:

"«Desta vez, a Maria João teve sorte. Nunca tinha visto uma médica a chorar. Foi a Maria João que puxou as lágrimas, quando a Dra. Teresa Ferreira lhe disse que não havia mais metástases dentro dela. Ficámos os três a chorar e a olhar para os outros olhos a chorar.

A minha amada já tinha esquecido o futuro. Já não queria saber da casa nova, do tecido para forrar os sofás, do Verão seguinte. Estava convencida que estava cheia de metástases. Doía-lhe o corpo todo. Tinha desanimado. Estava preparada para a morte. Só a morte é mais triste. Tinha-se preparado para ouvir o que já sabia, para não se assustar quando lhe dissessem que o cancro na mama tinha voltado e que se tinha espalhado por toda a parte.

Depois - mas não logo, porque não é de momento para o outro que se desmorre - voltou a ver vida pela frente. Reapareceu um horizonte e um caminho até lá, com passos para dar. "São tão raras as boas notícias", disse a médica, "e é tão bom dá-las, vocês não imaginam". Nós não imaginámos. Começámos a chorar. As lágrimas ajudam muito. As dos outros especialmente. Chorar sozinho não tem o mesmo efeito. A Maria João tem chorado por razões tristes. Desta vez estava a chorar de felicidade.

Como chora cada vez que ouve ou lê palavras doces, a dar força, a partilhar a dor, a juntar-se para que ela saiba que há muita gente a sofrer com ela, tal é a vontade delas que ela não sofra. Ou sofra pouco. Embora isto de se ficar vivo também se estranhe um bocadinho.»"


Para recordar ficam as crónicas do Miguel vivendo os maus momentos.

~ no dia da cirurgia:

"«É hoje, quarta-feira, às sete e meia da manhã, que deixei de poder estar ao pé da Maria João. Entreguei-a a Alexandre Campos, que vai tirar-lhe o tumor que ela tem no cérebro, sob o olhar de João Lobo Antunes.

Sempre quis conhecer um neurocirugião. Na segunda-feira de manhã conheci logo três. O terceiro foi o primeiro que recebeu a Maria João no Hospital de Santa Maria: Martin Lorenzitti. Fiquei impressionado. Não resisto a dizer que são uber-cool. Quando eu era pequenino, a profissão que usava para indicar grande complexidade não era rocket scientist. Dizia-se de um problema que não era dificílimo que não era preciso ser um brain surgeon para o perceber.

Note-se que os neurocirurgiões não são só cirurgiões do cérebro como de todo o sistema nervoso, espinha abaixo, pela rede elétrica do corpo inteiro, até às pontas dos pés. É a minha Maria João inteira que eles têm de ter na cabeça, nos olhos e nos dedos das mãos. É graças a médicos e cirurgiões que ela está viva. Será graças a médicos e cirurgiões que ela não morrerá.

Prometeram-me que hoje, às cinco da tarde, durante quinze minutos, voltarei a ver a Maria João. É pouco tempo, depois de muito tempo um sem o outro. Mas há-de saber pela vida. Mentira. Há-de saber-me por quinze minutos.

É o tempo que não estamos um com o outro que nos mata. Que nos tira a vida. Que nos tira a vontade de viver. Separadamente. É hoje às cinco da tarde que vamos voltar um para o outro. Durante pouco, pouco tempo.»"


~ no dia do regresso a casa:

"«Voltámos para casa anteontem [sexta-feira], nesse dia sagrado. Não há no mundo maior delícia do que a normalidade. Cada palavra da Maria João soa-me a música amada. Nos livros avisam que a remoção de tumores cancerosos do cérebro pode provocar alterações de personalidade.

Eu tinha medo que ela deixasse de ser a Maria João que eu amo. Mais medo ainda tinha que ela deixasse de me amar. A primeira vez que a vi, poucas horas depois da cirurgia, no remanso dos cuidados intensivos, perguntei-lhe se ela me reconhecia. E ela recuou a cabeça ligada, fez uns olhos de surpresa repugnante e perguntou, com convencimento: "Mas quem é o senhor?"

Nem sequer foi o sentido de humor a primeira coisa a regressar. Nunca se foi embora. A Maria João não recuperou: manteve-se. O milagre não lhe era exterior. O milagre é ela. Ela e todas as pessoas de quem ela gosta, que gostam dela.

Eu bem que tento guardá-la como um segredo. Mas só estou bem, quando tenho a sorte de ouvi-la e a vê-la e a vivê-la. Escrever sobre ela é a coisa mais fácil que faço: é uma preguiça e um prazer, como se conseguisse enganar quem me lê. É virar as costas ao mundo, que vai tão mal. Mas que é um mundo que ainda contém a Maria João, a pessoa que eu amo, que ainda aceita o amor que lhe tenho. Que cresce, ao contrário do cabrão do cancro, previsivelmente, certamente, sem fazer mal; fazendo bem.

Meu grande amor: seja de que maneira for, continua. Mesmo deixando de gostar de mim. Mas continua. Vive!»"

1 bitaite(s):

Nem tenho palavras para tamanha alegria desta grande vitória, são estas coisas que nos colocam a pensar se vale mesmo a pena perder tempo com coisas desnecessárias.
Bet

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